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Subsídios para o plano de reforma da
Universidade Federal da Bahia


Apresenta os princípios gerais que expressam a filosofia
e as intenções de uma instituição universitária,
analisando em profundidade os objetivos, a política, as estruturas e processos
que poderão concretizar as aspirações da universidade,
consubstanciados num conjunto de sugestões
relativas à sua reestruturação.



Reestruturação da Universidade da Bahia

          Constitui este documento um esboço de plano geral, recobrindo, de forma sistemática, os problemas essenciais da Universidade. Trata-se, antes de mais nada, de um instrumento de debate, já que o plano definitivo deverá emergir da própria instituição.

          O trabalho está dividido em três partes: os objetivos da Universidade; a sua política, contendo as linhas fundamentais da ação, através das quais os objetivos poderão ser alcançados; e as estruturas e processos, que definem os meios operacionais de executar a política.

          Os princípios gerais que, teoricamente, expressam a filosofia e as intenções da instituição universitária, estão aqui formulados, dentro da perspectiva de sua atualização e dos condicionamentos concretos da Universidade da Bahia.

 

I. Objetivos

           Os objetivos se encontram, ao mesmo tempo, e complementarmente, no conceito, que é genérico, e na política em que deverão exprimir-se as aspirações concretas da instituição. A Universidade da Bahia é uma instituição de ensino e de pesquisa, destinada a promover, em alto nível, a ciência, a cultura e a tecnologia, a serviço do homem e do meio.

 II. A Política

           A Universidade da Bahia realizará os seus objetivos:

           1) pela integração com o meio:

              a) como órgão da cultura brasileira; da ciência e da pesquisa para o Nordeste; de formação de quadros profissionais de alta qualificação, de acordo com as exigências do mercado de trabalho a que está vinculada; de serviços à comunidade;

              b) conseqüentemente, pela inserção dinâmica no esforço do desenvolvimento da região;

           2) pela expansão ordenada de suas estruturas e serviços, de acordo com os seguintes critérios:

              a) expansão das matrículas;

              b) regionalização;

              c) reformulação de suas estruturas, para que a expansão se processe a partir do aproveitamento pleno e racional das disponibilidades existentes;

           3) pela instituição de condições adequadas

              a) à formação da cultura geral;

              b) aos serviços de educação permanente;

              c) à extensão da cultura universitária à comunidade;

           4) pela introdução de mecanismos que assegurem:

              a) o processo de auto-renovação e reforma, ou de evolução permanente da Universidade;

              b) a elevação de seus padrões de ensino e pesquisa, especialmente no que concerne aos professores;

           5) pela reforma de suas estruturas, de que resultem:

              a) a articulação sistemática de seus órgãos;

              b) a projeção das atividades científicas;

              c) o sentido ministerial da Universidade em relação ao meio;

            6) pela preeminência dos interesses acadêmicos, atualmente descaracterizados pelo espírito burocrático, mediante:

              a) uma nova sistemática dos poderes, vinculadas as decisões de interesse didático a instâncias acadêmicas e admitida a autonomia relativa de determinados órgãos intermediários;

              b) pela completa vinculação dos órgãos-meio aos órgãos-fim;

              c) pela instituição de novos serviços ou revalorização de antigos, que representam as bases do trabalho universitário;

           7) pela reformulação da autonomia universitária, com nova caracterização dos órgãos de cúpula;

           8) pela instituição do planejamento, refletindo-se

              a) em nova política orçamentária;

              b) na criação de novas técnicas disciplinadoras da política e do crescimento da Universidade;

           9) pela reformulação de novo sistema de relações com o Ministério da Educação e Cultura.

           A redução dessa política a esquemas operacionais se fará através de Projetos, a cargo da SPL - Serviços de Planejamento. Tais Projetos, discriminados ao longo do Plano, se dividem em dois grupos, segundo o critério da prioridade.

 

 

III. Estruturas e processos

               1. Em relação à integração no meio, a Universidade adotará os critérios e linhas de comportamento que são, a seguir, indicados.

               a) A identificação do meio e a repercussão dos seus problemas no aparelho institucional da Universidade.

               Serão realizadas pesquisas preliminares que identifiquem e determinem as áreas e os problemas do meio para os quais se deva voltar, ordenadamente, a ação da Universidade; e estabelecidos os programas correspondentes que deverá desenvolver-se em continuidade sistemática e de acordo com um critério de prioridade.

              Vinculado a uma problemática traçada coletivamente pela Universidade e orientada por interesses sociais, o programa de pesquisas será prioritariamente da instituição e não do pesquisador, revestindo-se, por isso mesmo, das seguintes características:

              * sobrepor-se-á aos interesses da pesquisa individual;
              * terá seus prazos e padrões submetidos a exame e aprovação dos órgãos incumbidos pela
             
Universidade desse encargo. Assim evitar-se-á que a pesquisa na Universidade fique confinada
             
à iniciativa, às vezes caprichosa, de pessoas que, ou não possuem as qualificações necessárias,
             
ou isolam o seu trabalho do contexto programático geral da Universidade - embora com os
             
recursos por esta fornecidos - ou de sua apuração crítica. Em vez de restringir-se a aprovar
             
iniciativas esporádicas ou dispersas, cujo mérito é incapaz de apreciar, a direção universitária
             
passará à ofensiva, exercendo a função de programar e coordenar. Nessa posição ressaltam
             
dois aspectos: a iniciativa da Universidade e a instituição de órgãos e critérios técnicos, para a
             
programação e a aprovação dos projetos. A norma vigente, de órgãos apenas administrativos
             
decidirem sobre programas científicos ou técnicos, explica a perda de iniciativa da Universidade
             
nesse setor, e a submissão de tais órgãos, por incapacidade de discernimento e, pois, de
             
comando, às solicitações que lhe são formuladas; ou, então, as decisões arbitrárias, empíricas,
             
ao sabor do capricho dos dirigentes ou do prestígio dos solicitantes;
             
* serão eliminadas as distorções na organização da pesquisa na Universidade, especialmente
             
três: a criação assistemática de órgãos de pesquisa - como é o caso típico dos Institutos da
             
Cadeira - resultando numa multiplicação desordenada e, freqüentemente, repetitiva de
             
atividades, e a quebra da organicidade universitária; o expediente estratégico, às vezes
             
malicioso, com que alguns, aproveitando o fato de estar livre o campo de manobra por falta do
             
plano preestabelecido, pleiteiam a criação de institutos de pesquisa ou órgãos congêneres para
             
obter recursos especiais; a busca de recursos orçamentários pela iniciativa pessoal de
             
pesquisadores, qualificados ou não, marcando o orçamento da Universidade de chocantes
             
disparidades, resultantes do jogo de prestígios não-acadêmicos.

               Feito o recenseamento das necessidades e problemas da área geoeconômica e cultural a que, dentro de uma política de regionalização, pretende a Universidade atender, estabelecer-se-á sobre essas bases o correspondente programa (indicativo) de pesquisas, e se definirá, estruturalmente, o aparelho encarregado de sua execução. Nesse particular, cabem algumas distinções. A definição aqui prevista, de necessidades e problemas que servirão de roteiro às pesquisas da Universidade em geral, não ficará inteiramente a cargo de um órgão central. A ação deste será articulada com os vários setores específicos e contará com o seu concurso, recebendo e apreciando as suas sugestões. Estabelecer-se-á, dessa forma, uma espécie de combinação dialética entre uma direção geral - revestida de capacidade crítica e asseguradora, pela coordenação, do sentido universitário dos trabalhos - e os vários setores especializados.

              Há ainda que distinguir a fase instauradora do sistema e a rotina na qual se institucionalizarão esses critérios. O plano inicial de pesquisas fixará os campos e os temas a que elas se subordinarão, e os órgãos que delas se encarregarão. Mas, a partir daí, se iniciará um processo permanente de ampliação, retificação e renovação do elenco das pesquisas. Nessa etapa - a de rotina - continuarão a intervir, cooperativa e decisivamente - os setores especializados, sempre dentro do método dialético aqui preconizado.

              O órgão central, cuja estrutura será objeto doutro tópico, terá dupla função: de planejamento e de coordenação, exercendo a última com competência exclusiva, e a primeira, com a colaboração dos setores, nos moldes acima previstos.

              O planejamento a cargo do referido órgão terá caráter indicativo, fixando os problemas a serem pesquisados, suas implicações gerais e conexões mútuas, e sua vinculação a áreas específicas. Tudo que se referir ao tratamento dos problemas e à condução das pesquisas constituirá atribuição dos setores especializados.

              Mesmo a consignação das pesquisas aos órgãos especializados e as suas mútuas conexões serão determinadas pelo órgão central com a colaboração dos setores interessados.

              Para tornar efetiva a interação entre um e outros, a coordenação, igualmente, jamais deixará de processar-se dentro de um sistema de consulta e comunicação permanente entre eles.

              Ademais, terá o órgão central a participação de representantes de alto nível de todas as grandes áreas de pesquisa e do ensino universitário. Como já foi assinalado, sua atuação comporta duas etapas - a de organização e a de rotina - cabendo-lhe adotar em cada uma delas as variantes que as condições indicarem. Na primeira, e tendo em vista a integração no meio, se concentrarão os esforços, de forma intensiva, no conhecimento deste, com destaque, por isso mesmo, da colaboração dos cientistas sociais. Trata-se, com efeito, de um empreendimento instaurador, ao arrepio, até certo ponto, da tradição de alienação da universidade brasileira. Institucionalizada a política, passarão a preponderar as atividades de pesquisa no âmbito de cada setor. Não se desarticulará porém a combinação das duas áreas de investigação, de modo que a pesquisa científica esteja sempre norteada e fertilizada pela pesquisa do meio. Dessa forma, ficará estabelecido um mecanismo permanente de autoconsciência crítica da Universidade, com vistas à sua permanente auto-revisão ou evolução controlada. Tal função, aliás, será exercida não só por este, como por outros mecanismos a serem mencionados neste esquema.

              Esse órgão central chamar-se-á Departamento de Pesquisa. A constituição definitiva será objeto de documento especial. Por ora, sugerimos apenas que seja integrado, entre outros, pelos representantes de todas as grandes áreas do conhecimento universitário (escolhidos por critérios a serem estabelecidos, de acordo com a estrutura geral a ser adotada pela Universidade), assessorados por sociólogos, economistas, antropólogos, tecnólogos, arquitetos e outras categorias capacitadas para a tarefa de identificar os problemas do meio e de traduzi-los de forma a serem incorporados à ação da Universidade. Tal Departamento, fugindo ao formalismo e ao estacionarismo burocrático, e amparado por uma visão dinâmica do meio e da instituição universitária, será um órgão de contínua pesquisa e de atualização da Universidade.

              A organização da pesquisa na Universidade, a partir do recenseamento atrás referido, isto é, o aparelho responsável, será objeto de documento especial.

              Uma modalidade destacada das pesquisas relacionadas com o meio é a que se refere à sua estrutura ocupacional e mercado de trabalho. Há necessidade de se instalar nas universidades a visão econômica da educação, a se elaborar uma economia da educação, como acontece nas empresas em geral. Daí resultará a harmonização dos quadros profissionais com o mercado de trabalho e o engajamento correto da Universidade no processo de desenvolvimento econômico e social, que constitui o fato mais importante das sociedades modernas ou em vias de modernização.

              Outro item dessa política será o experimento de novos currículos, adequados à formação técnica e cultural para o meio. A liberdade concedida pela LDB para que as escolas complementem o currículo mínimo tem esse sentido, infelizmente comprometido por outros interesses.

               b) Serviços culturais, científicos e técnicos, prestados à comunidade

               A programação da pesquisa, orientada, em grande parte, para os problemas da comunidade regional; a conexão dos currículos com as peculiaridades e possibilidades do meio; a visão geoeconômica na política da Universidade; e o papel, que lhe é assinalado, de constituir a fonte dos quadros culturais e profissionais para a região - tudo isso configura um tipo de integração orgânica no contexto social.

              Mas, além dessa vinculação, de natureza estrutural, que deve arejar a filosofia da Universidade, podemos destacar os serviços específicos que ela é chamada a prestar à comunidade. Discrimina-lo-emos nas suas características básicas.

              Do ponto de vista estritamente cultural, faremos menção, em tópico destacado, aos serviços de extensão. Cabe-nos acentuar, agora, os que a relacionam com o desenvolvimento regional, do ponto de vista econômico e social.

              O estudo dos problemas nacionais e regionais, como parte dos currículos ou objeto de sua aplicação, onde couber, sobretudo no campo das ciências sociais e das ciências naturais.

              Tal orientação exige outra atitude da Universidade, a que se ajustem os professores, atualmente desinteressados e despreparados, as mais das vezes, para essa tarefa. Registra-se um curioso fenômeno no Brasil: freqüentemente, as atividades científicas mais importantes, realizadas por professores universitários, são realizadas fora da universidade, ou graças à iniciativa e apoio financeiro de instituições estranhas a ela. Isso parece indicar que o que a universidade faz de próprio não chega, comumente, a transcender a rotina e a estagnação; e que todos os incitamentos para a sua vitalização vêm de fora. O aperfeiçoamento do magistério não chega a constituir-se, dentro dela, numa política, dependendo de iniciativas esparsas de professores, ou da CAPES, ou de instituições estrangeiras. A pesquisa depende do Conselho Nacional de Pesquisas, ou ainda da CAPES, que encampou a antiga COSUPI. E nessa marcha, identificamos uma espécie de tendência centrífuga pela qual tudo que é consistente e produtivo tem de dirigir-se para fora dos órgãos nucleares, constitutivos da universidade. O movimento de dentro para fora se processa em escala ascendente. Começa internamente, as atividades criadoras precisando inventar expedientes extraordinários, fora da estrutura normal, para se desenvolverem, como sejam a criação de órgãos paralelos às faculdades, ou de programas especiais. Evolui daí para fora das fronteiras da universidade, na busca de amparo junto a outras instituições. Termina ocorrendo o paradoxo de o normal, o que pertence à finalidade essencial da Universidade, converter-se em excepcional; o que deveria ser permanente, passar ao domínio do azar. A prova mais candente da inautenticidade da universidade é essa fuga do essencial para o lado de fora das estruturas que se mostram incapazes de incorporá-lo. É, também, a confirmação do que afirmamos, noutra passagem deste documento: a ausência de meios intrínsecos a ela de promover a sua dinamização e auto-reforma, ou auto-ajustamento permanente. Sem esse mecanismo, toda influência externa se esteriliza. Não adianta a ajuda exterior se não encontrar na própria instituição a motivação e os mecanismos de absorção; se o movimento não é imanente, capaz, por isso mesmo, de "digerir" os ingredientes que lhe são oferecidos.

              A elaboração de instrumentalidades científicas em função do desenvolvimento regional, na continuidade da política preconizada no item anterior, representa o segundo ponto do programa de serviços a serem ministrados à comunidade. Dentro de tal categoria se inclui a formulação de projetos, a realização de experimentos pioneiros, a assistência a órgãos técnicos e administrativos, os serviços industriais, a articulação com órgãos de desenvolvimento regional.

              Sendo a universidade a mais qualificada das organizações brasileiras destinadas à elaboração científica e tecnológica - e também a mais cara - (quanto à tecnologia, a sua responsabilidade prioritária ocorre no Brasil, dado o insuficiente desenvolvimento da pesquisa tecnológica na indústria, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo), constituiria enorme desperdício não render essa instituição tão complicada e, ao mesmo tempo, tão aquinhoada, os serviços que a comunidade, que a financia, dela espera.

              Em termos concretos, a Universidade da Bahia será, sem detrimento de outros objetivos, um órgão de pesquisas e de assistência técnica para o Estado e o Nordeste.

              Finalmente, a integração do meio poderá determinar a supressão, a criação ou o remanejamento de órgãos universitários.

 

               2. A expansão da Universidade deve ser referida a: matrículas, atividade científico-cultural e serviços, e nessa ordem de prioridades.

               Adotar a política de concentração orgânica, pautada pelos seguintes objetivos:

              a) corrigir a capacidade ociosa e a multiplicidade dispersiva;

              b) fundir as atividades congêneres, assegurando-lhes maior consistência e economia de recursos humanos e materiais;

              c) evitar as atividades que podem ser realizadas satisfatoriamente por outras instituições de ensino, de pesquisa ou de cultura geral.

               Os objetivos acima referidos serão alcançados através dos Institutos Centrais e da organização departamental.

               Adotar a política de regionalização , cujos itens essenciais são:

              a) a capacidade da Universidade deve ajustar-se às necessidades da região, cobrindo as áreas faltantes, e suprimindo as atividades supérfluas;

              b) seguindo o critério das necessidades e das possibilidades em recursos humanos e materiais, deve-se admitir três níveis de instituições de pesquisa e ensino: o nacional, o regional e o local. Evitar na Universidade as iniciativas que melhor convenham às instituições nacionais, ou super-estaduais;

              c) partindo de um mapeamento das universidades no País e sobretudo na região em que se inclui a Bahia, deve-se estabelecer os limites que podem ser alcançados pela irradiação da Universidade da Bahia, e articulá-la com as outras universidades, seja para mantê-la dentro dos referidos limites, seja para diferenciá-la das outras, de modo que elas se complementem mutuamente;

              d) no âmbito do Estado, a regionalização compreende a integração de instituições de fora da Universidade (faculdades, instituições de pesquisa, órgãos governamentais etc.) num programa comum. Nesse sentido, deverá a Universidade dar-se conta das escolas e cursos já existentes no Estado, e exercer certa função liderante e coordenadora visando a participação delas numa política comum e sistemática de expansão do ensino superior, e também de seu aperfeiçoamento;

              e) em face da precariedade das condições educacionais do interior, será de toda a conveniência que a expansão do ensino superior no Estado se processe pela ampliação da Universidade, em vez da criação, fora de seu âmbito, de outras escolas ou cursos. Mas, para isso, impõe-se que a Universidade se antecipe a essa expansão anárquica e aventurosa, "ocupando a área" mediante o levantamento e dimensionamento das necessidades e o provimento delas com os seus próprios meios. Além de dispor a Universidade de um elenco de condições consideravelmente mais adequadas, é muito mais fácil e econômica a ampliação de órgãos e serviços existentes que a criação de novos. Para isso se impõe, igualmente, uma política articulada entre a Universidade e o MEC (DESu e CAPES), pela qual aquela receba deste o necessário apoio. Essa orientação, que a Universidade da Bahia poderá adotar pioneiramente, constituirá um passo extraordinariamente importante e fecundo para reformular a política do ensino superior no Brasil, de acordo com as nossas condições socioculturais;

              f) a possibilidade de tornar-se regional, no sentido aqui preconizado, implica duas providências fundamentais: a criação de um sistema de bolsas de estudos para estudantes de fora de Salvador, e a construção de residências de estudantes, em escala adequada.

               A política de concentração de estruturas e de meios se traduz, no plano pedagógico, pela adoção vigorosa e sistemática do sistema de créditos. Dois exemplos poderiam ser dados, apenas para ilustração: o curso de Jornalismo e o de Ciências Sociais. O primeiro poderia ser organizado satisfatoriamente, na parte cultural, com créditos de outros cursos; e o outro poderia reunir o de ciências sociais propriamente dito (ministrado na Faculdade de Filosofia) e mais os de Ciências Econômicas e de Administração, através de variantes enfeixadas num tronco comum.

 

 3. Transformação e atualização das estruturas

               Devemos distinguir as estruturas em duas ordens: a didático-cultural e a administrativa.

               Estrutura didático-cultural

               a) O ingresso na Universidade

               O que aqui apresentamos são indicações normativas, cujo desenvolvimento se baseará em algumas opções prévias, feitas pela Universidade.

              A matrícula deve ser seletiva, tendo como bases:

              a) necessidades sociais e a expansão da cultura;

              b) os recursos disponíveis, em instalações, equipamentos e outros;

              c) o talento dos candidatos.

              Quanto ao concurso de habilitação, parece-nos que a experiência da Universidade de Brasília consubstancia algumas das diretrizes mais modernas no assunto, podendo ser aproveitada com algumas modificações, inclusive para efeito de optação à estrutura da Universidade da Bahia.

              A articulação do ensino superior com o médio, ponto crucial da política educacional em todos os países, não pode deixar de interessar à Universidade. O problema, que é antigo, agravou-se pela expansão explosiva do ensino médio e conseqüente deterioração de seus padrões.

              A universidade passou a preocupar-se com a qualidade intelectual de seus clientes, e uma das fórmulas que encontrou para melhorá-la foi a instituição de pré-vestibulares ou de outros cursos propedêuticos. Tal diretriz foi, de certa forma, encampada pela LDB ao prever o Colégio Universitário. A nossa posição é diferente e pode resumir-se nos seguintes pontos:

              * deve-se distinguir o que no caso é normal, do que é emergencial. Normalmente, não deve a
             
universidade afastar-se de sua área essencial, sobretudo depois de onerada e enriquecida de
             
tantas tarefas novas; em face, porém, da conjuntura de deterioração do ensino médio, cabe-lhe
             
participar do esforço de elevação dos padrões deste. Mas fazê-lo de forma discreta, e deixando
             
bem marcado o sentido contingencial de sua participação.
             
* o melhor processo seria, não o Colégio Universitário, mas a instauração de outra sistemática
             
de ingresso, e o melhoramento do aluno no seio dos cursos básicos que, de certa forma,
             
prolongam - com conteúdo muito mais rico - a formação secundária. Aí, nos cursos básicos, há
             
de haver húmus bastante fértil de que poderá embeber-se o aluno, superando as suas falhas.
             
Seria o caso, portanto, de a universidade reservar, na organização dos referidos cursos,
             
possibilidades de recuperação do aluno deficiente.
             
* em face das razões acima, a universidade não deveria ter Colégio Universitário; ou usá-lo
             
discretamente, pela repercussão que, como modelo, poderia ter junto aos demais colégios. Entre
             
as deficiências da fórmula está o seu caráter forçosamente restritivo, já que não pode abrigar
             
todos os candidatos, daí resultando a frustração do objetivo que se propõe. De que adianta
             
selecionar, na avalanche crescente dos candidatos, os poucos que o Colégio Universitário
             
poderá receber? Ocorre, ainda, o caráter discriminatório das matrículas, extremamente difícil de
             
ser evitado. Quando recomendamos moderação na participação da universidade no problema
             
do ensino médio, estamos pensando no poder avassalador que este conquistou. A pressão do
             
processo expansionista é tão forte que, se ele conseguisse abrir as portas da universidade,
             
poderia vir mais tarde a tomá-la de assalto. E os recursos desta, sendo já insuficientes para as
             
suas próprias necessidades, terminarão tragados pelo vórtice da escola média. De sorte que as
             
alternativas abertas à universidade são, ambas, negativas: ou abre as portas a todos, no Colégio
             
Universitário, e corre o risco de sufocar; ou restringe o acesso a termos que tornariam
             
irrelevante a sua participação no problema. A única ressalva estaria na sua função de modelo.

               Em trabalho recentemente escrito a propósito da pesquisa da Professora Nádia Franco da Cunha, estudamos detidamente o problema da articulação do ensino médio com a universidade, em particular os "cursinhos" que proliferam na Guanabara e em outros estados, alvo da análise da autora do citado livro.

              Na verdade, o que importa para o estudante secundário é ingressar na universidade: do meio para o fim do curso colegial, ele está completamente imantado por esse objetivo e, pois, embalado na corrida para o vestibular. Ora, esse fenômeno introduz um elemento mais sutil na análise do sistema, pois se refere mais profundamente à estrutura do curso secundário e à sua articulação com o ensino superior. Seria preciso que o primeiro pudesse ser mais tranqüilamente geral, propiciador de habilitações básicas, seja de natureza acadêmica, seja de natureza pragmática - e não de adestramentos imediatistas, mais ou menos mecânicos, para o ingresso na universidade ou no trabalho. Seria preciso que o vestibular, por simetria, fosse mais tranqüilamente aferidor de habilitações básicas - e não desse tipo de adestramento.

              Por aí se vê que está errada a filosofia do ensino médio entre nós, assim como a do vestibular - e no erro os "cursinhos" florescem. Eles são apenas a flor; pois as raízes e o húmus em que se embebem estão no próprio sistema geral. Nessa altura, todos se atacam mutuamente, as trincheiras do vestibular e do ensino superior de armas assestadas contra o ensino médio, o mesmo ocorrendo deste para aquele. Não é mais o caso de saber quem tem razão, nessa cerrada reciprocidade de círculo vicioso. O problema agora é romper o círculo com a colaboração de todos, inclusive do Governo. Por enquanto, insistimos na tese de que não são os "cursinhos" que estão errados, e que eles brilham pela sua força de representatividade do sistema. Eles conseguem deste sistema o que não conseguem os cursos longos. E por uma série de razões, entre as quais destacamos:

              a) O empenho e o ritmo de "guerra", todos arregimentados para uma tarefa à vista, cujas exigências são intensamente vividas. Isso significa objetividade, sobre a qual é normal que assentem as motivações mais eficazes. Todos se dão conta da necessidade de não se deixarem muito longe do esforço escolar os motivos que devem dinamizá-lo. Ora, a escola média brasileira - especialmente a secundária, ainda embaraçada com o espectro da cultura geral, imprescindível, mas que ela não soube compreender e realizar adequadamente - é um longo tédio em que se amofinam os interesses culturais e os interesses práticos. Tudo é rotina opaca, sob a qual se estiolam os objetivos reais. Nenhuma das finalidades do ensino secundário é seriamente delineada e objetivamente vinculada - como fonte propulsora - ao trabalho escolar. Por causa disso é que se aprende Francês nos cursos da Alliance Française, ou Inglês nos da Cultura Inglesa ou Instituto Brasil-Estados Unidos, e muito poucos aprendem qualquer dessas línguas, seja no curso secundário, seja nas Faculdades de Filosofia.

              b) O segundo ponto é o prolongamento do primeiro, e se refere ao regime de trabalho concentrado. O estudo em tempo integral, que não ocorre na maioria dos colégios, onde o trabalho escolar se dilui na esfarelada vida do estudante.

              c) A qualidade dos professores dos "cursinhos", recrutados, segundo esclarece a pesquisa a que nos referimos, entre os melhores, e animados de um excepcional entusiasmo pelo trabalho que realizam. É preciso estender aos professores as mesmas considerações feitas a respeito dos alunos: o reflexo neles da apatia e da falta de objetividade do ambiente colegial. É preciso lembrar a lamentável desqualificação de boa parte dos professores secundários, no Rio e em todo o Brasil? A remuneração dos professores dos "cursinhos" deve contar para o nível de sua seleção e para o empenho com que se dedicam à sua tarefa; ao contrário do que acontece com os desestímulos do regime salarial da grande maioria dos colégios.

              Mais próximos da meta, que é o vestibular, os "cursinhos" se pautam mais estritamente pelos programas, o que certamente acontecerá progressivamente com os próprios cursos regulares, em decorrência de sua diversificação, autorizada pela Lei de Diretrizes e Bases. Por outro lado, tal diferença parece indicar duas coisas até certo ponto opostas: uma, a favor dos colégios, oferecendo um ensino que transcende as implicações imediatas do vestibular; outra, a favor dos "cursinhos" e da objetividade de seus programas. Em que medida essa objetividade é maior que a do currículo colegial, não só quanto ao critério da organização temática do "cursinho", é assunto ainda a pesquisar.

              Outro detalhe importante, revelador da identidade do "cursinho" com o sistema geral, são os métodos do ensino adotado. Constatou-se o bom padrão da maioria dos professores dos "cursinhos", mas, ao mesmo tempo, a persistência, neles, de deficiências metodológicas dos cursos normais: predomínio das aulas expositivas com utilização de livros e apostilas ou sem material didático algum, em cerca de 60,7% dos cursos. As aulas ativas, com utilização de recursos audiovisuais, significa apenas 9,8% do total. Isto parece indicar que os "cursinhos" procuravam reforçar a sua eficiência sem sair dos trilhos do sistema regular: a sua metodologia básica é a mesma, apenas usada de forma mais sistemática e ajudada pelo clima psicológico de "guerra" em que eles se movem. Assim é que o "cursinho" é diferente do curso regular, no acidental, e igual no essencial: o que comprova a nossa tese. A sua originalidade é da estratégia adotada, de inteligente coordenação dos recursos propiciados pelo sistema e pelas condições psicológicas.

              Apenas, a alternativa adotada parece-me errada, do ponto de vista do conformismo que pode traduzir. Pois o certo seria lutar pela implantação dos verdadeiros objetivos do curso secundário e pela reformulação dos critérios do vestibular. O que se pretende deslocar para um serviço de emergência deve incorporar-se ao tecido do sistema - seja do lado do ensino médio, seja do lado do ensino superior - sob pena de admitir-se que um dos momentos mais importantes do processo escolar é insusceptível de inserir-se, adequadamente, no fluxo do sistema. De modo nenhum podemos admitir que seja impossível encontrar - ou incluir - no sistema as condições essenciais de passagem de um nível para outro; que não se leve à profundidade necessária a análise dos dados em jogo; e, sobretudo, que não se movimentem como deviam todos os órgãos da política educacional, em conexão com as universidades e com os colégios, em busca da justa solução.

              Tais órgãos existem para isto. De nenhum modo parece-nos conveniente que, em vez de nos termos dedicado, já, à pesquisa radical que o problema exige, e, conseqüentemente, a uma formulação correta da política a seguir, tenhamos de embarcar nesse tipo de improvisações, ou de acomodações - por mais bem intencionadas que sejam - perigosas como sinal de incapacidade de vencer as deformações do sistema. E mais perigosas ainda como tentativa de outorgar-lhes legitimidade doutrinária. A rigor, essas iniciativas parecem bastante explicáveis - e elogiável, até, a inquietação que as impulsiona - se nos advertirmos que elas florescem num terreno que não foi ocupado pela boa política. Se o sistema, tomado em conjunto, já tivesse enfrentado o desafio, teria evitado esses gestos impacientes que revelam, no fundo, a desesperança de soluções orgânicas. Ao longo da desesperança surge sempre o risco de se pretender acertar o passo com a "desordem estabelecida".

              Nas origens, a maior responsabilidade pelas distorções coube ao Ministério da Educação. Depois da Lei de Diretrizes e Bases, ela se prolonga do Ministério para outros setores de iniciativa pública ou privada, uns e outros ainda sem bastante impulso e vigor. Só quando nos aliarmos todos numa luta comum; quando nos despojarmos do tout fait e começarmos a pensar a educação limpa e bravamente com o sentido e as exigências que ela contém, só então construiremos, todos, a educação nacional; antes disso, o esforço isolado correrá sempre o risco de desalentar-se, ou de esquivar-se nas soluções ambíguas.

 

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