Ensino Superior

"A universidade é uma síntese da cultura, conciliando as aparentes contradições desta, englobando, dialeticamente, os opostos em que se extrema o processo cultural [...]. Cabe-lhe aliar o passado e o presente, o particular e o geral, o especulativo e o prático, a rotina e a criação, o aristocrático e o popular, o individual e o social. Tem de constituir-se, portanto, sobre uma unidade plástica e coerente, uma visão geral e harmônica, uma filosofia" (DTM, A universidade e seus problemas atuais, p.27)

  

"A Universidade, como qualquer instituição, é uma exigência dinamizada pela consciência dos fins a que a instituição se destina. Se os fins da Universidade não estão na consciência do professor, ou se ele os tem diferentes dos dela, torna-se impossível que a reforma da Universidade se realize por um processo endógeno. Instala-se, então, o dramático círculo vicioso da estagnação da universidade brasileira. Ela se protege, pela autonomia, de qualquer controle do MEC, que, de resto, se tem revelado incapaz de realizar a sua missão de traçar a política educacional e de exercer uma vigilância inteligente sobre as instituições a ele vinculadas; pelo hermetismo em que está emparedada, carece de qualquer permeabilidade à influência social; e, assim, tem o seu destino entregue a uma elaboração interna que se volta sobre si mesma e perpetua os seus padrões." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.67)

  

"A conexão das liberdades se processa em vista desse ordenamento capaz de enfeixá-las numa estrutura institucional, isto é, transcendente à desagregação anárquica em que resvalariam sem a presença de princípios unificadores, que constituem a base da própria instituição. A autoridade da universidade, em última análise, reside nesses princípios em torno dos quais se organiza o assentimento dos sócios. Todos dentro da comunhão universitária são sócios e, pois, participantes de seu autogoverno: a graduação dessa participação se estabelece pelos mesmos critérios que determinam a estrutura de poder na instituição: se a fonte do poder é a liberdade acadêmica, por coerência o poder se gradua segundo as condições em que cada um se encontra para o exercício dessa autoridade." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.82)

 

 "Sendo a universidade a mais qualificada das organizações brasileiras destinadas à elaboração científica e tecnológica - e também a mais cara - (quanto à tecnologia, a sua responsabilidade prioritária ocorre no Brasil, dado o insuficiente desenvolvimento da pesquisa tecnológica na indústria, ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo), constituiria enorme desperdício não render essa instituição tão complicada e, ao mesmo tempo, tão aquinhoada, os serviços que a comunidade, que a financia, dela espera." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.10-11)

 

 "Registra-se um curioso fenômeno no Brasil: freqüentemente, as atividades científicas mais importantes, realizadas por professores universitários, são realizadas fora da universidade, ou graças à iniciativa e apoio financeiro de instituições estranhas a ela. Isso parece indicar que o que a universidade faz de próprio não chega, comumente, a transcender a rotina e a estagnação; e que todos os incitamentos para a sua vitalização vêm de fora. [...] E nessa marcha, identificamos uma espécie de tendência centrífuga pela qual tudo que é consistente e produtivo tem de dirigir-se para fora dos órgãos nucleares, constitutivos da universidade. O movimento de dentro para fora se processa em escala ascendente. Começa internamente, as atividades criadoras precisando inventar expedientes extraordinários, fora da estrutura normal, para se desenvolverem, como sejam a criação de órgãos paralelos às Faculdades, ou de programas especiais. Evolui daí para fora das fronteiras da universidade, na busca de amparo junto a outras instituições. Termina ocorrendo o paradoxo de o normal, o que pertence à finalidade essencial da Universidade, converter-se em excepcional; o que deveria ser permanente, passar ao domínio do azar." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p. 9-10)

 

 "A Universidade tem de assumir vigorosamente a missão de promover uma política de recrutamento e estímulo aos talentos jovens: para colocá-los à disposição da comunidade e para enriquecer seus próprios quadros. Além desse critério, deve a Universidade dar conseqüência ao princípio de regionalização, segundo o qual, ao invés de disseminação de novas escolas pelo interior, seriam distribuídas bolsas aos candidatos ali residentes, devidamente selecionados. Deverão ser instituídas, além das bolsas de estudo, as de manutenção e, em etapa mais remota, a concessão de auxílio às famílias que não poderiam, sem prejuízo, privar-se da cooperação econômica dos filhos." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.32)

 

 "A eficiência - cultural e social (os dois aspectos são cada vez mais um só) - constitui o único título de legitimidade de qualquer curso." (DTM, Expansão do ensino superior, p.232)

 

 "Acabou o tempo em que os simples clichês do ensino universitário eram eficientes, e apoiados nas facilidades da verbiagem e da erudição postiça. Entramos no jogo da verdade. Apesar disso, a camada dominante ainda tem força na universidade para manter o sistema acomodado aos seus interesses, e em desacordo com as necessidades da clientela que procura a universidade. Por outras palavras, continua a universidade a representar um sistema de facilidades e acomodações, criadas, para uso próprio, pelo grupo que a controla, constituído dos seus dirigentes e professores. As inspirações realmente eficazes, na política universitária, são as que emanam dos interesses da cúpula. A expansão da universidade, por exemplo, é condicionada, em grande parte, pelas comodidades dos professores que não podem dar-lhe mais de 3 ou 4 horas semanais de aula. O processo de recrutamento de docentes contraria os critérios formais de seleção, estabelecidos pelos próprios Estatutos, porque há conveniência em que permaneça o estilo discricionário, compatível com o regime de favores. O orçamento nem sempre cobre as necessidades reais, objetivamente formuladas, sendo utilizado com grande desenvoltura para atender a caprichos suntuários, ou à pressão do prestígio, ou a falsas prioridades." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.56-57)

  

"Cabe-nos resistir à tentação do nominalismo; ser leal à coisa sob o nome, sem contentar-nos com o nome a despeito da coisa. Há nomes que governam, por espaços, a opinião universitária: departamento, supressão da cátedra, pesquisa, tempo integral, institutos centrais, tecnologia, educação para o desenvolvimento etc. Tudo isso tem sido um fluxo verbal que não chega, as mais das vezes, a enraizar-se na realidade e a banhar-se nas suas implicações. Falta a inquietação pela crespa e fugidia realidade que apenas se agasalha sob a nitidez confortável dos rótulos. Paira nos corredores do Ministério e das Universidades uma 'poeira' de idéias que vai pousando sobre os transeuntes, e produzindo antes o contágio que a fertilização. É essa a razão pela qual, sob o dinamismo aparente das reformas, persiste um cerne oculto de imobilidade." (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.158)

  

"O que põe a universidade acima das limitações do arbítrio e de qualquer particularismo é aquilo mesmo que constitui a sua originalidade como instituição do espírito. [...] A sociedade se defende a si mesma, por assim dizer, quando assegura autonomia a uma instituição que a integra, o que constitui o fundamento de sua ambigüidade. Através da universidade, a sua transcendência se defende de sua contingência; a sua verdade, de sua institucionalidade. Essa consideração é suficiente para justificar em que grau, e por que razões a universidade é intocável; o que dizer que deixará de sê-lo, quando nela se corromper esse caráter de reino da razão." (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.151-152)