Educação

"Educação significa o modo de ver o mundo, colocando-se nele como parte ativa de sua criação ou de sua ordem. Trata-se de ordenar, operativamente, a visão da realidade, em função do projeto pessoa e social, mediante o método dialético." (DTM, Indicações para uma política da pesquisa da educação no Brasil, p.487)

 

  "Antes, e mesmo agora, a escola se isola do mundo exterior para elaborar uma experiência diferenciada com que pretende comandar os valores vigentes, modificando-os ou, as mais das vezes, conservando-os. No futuro, mas já começando no presente, a escola deixará de pretender abrigar o mundo dentro de si - como um microcosmo - e passará a ser um agente ordenador da potencialidade que está fora dela, no macrocosmo. Nesse momento, a educação será basicamente a consciência que a sociedade adquirirá de sua práxis, incluindo conhecimentos, valores e técnicas." (DTM, Um novo mundo, uma nova educação, p. 15-16)

  

 "Um homem é um ser intencional na medida em que descobre um sentido para sua existência e emprega a força de que é capaz para objetivá-la. E a educação não é senão a disciplina do ser intencional. Toda a tarefa do educador reside apenas - e já é demais - em descobrir, preservar e corroborar a intencionalidade do ser do educando." (DTM, Fenomenologia do processo educativo, p. 146)

  

 "Na proporção em que o homem descobriu que a sua inserção no mundo se faz como práxis - ação dentro e ao longo da qual ele se transforma e transforma o mundo -, e em que ele colhe nessa inserção a visão de si mesmo; na medida em que o 'microcosmo' de Aristóteles se liga ao 'macrocosmo' em termos de compromisso, e não apenas de contemplação, nessa mesma medida a educação geral se converte em educação técnica." (DTM, Um novo mundo, uma nova educação, p. 11)

   

"Poderíamos dizer que a educação compreende quatro dimensões básicas: a cidadania, o lazer, o trabalho e a cultura. Cada uma delas, com a sua nota distintiva: a dimensão política, a dimensão criativa, a dimensão social e a dimensão que é chave e síntese das demais - a da consciência significante, através da qual se organiza o universo humano. É evidente que o que distinguimos aqui são apenas predominâncias, que os quatro aspectos basicamente se confundem. [...] Poderíamos dizer, ainda, que a educação completa é a que reúne os quatro aspectos, formando, juntos, a sua coerência lógica, mas também, correspondentemente, a que engloba todos os segmentos da sociedade e lhe traduzem a coerência sociológica." (DTM, Para uma filosofia da educação fundamental e média, p.92)

 

 "A normatividade básica da educação não é haurida exclusivamente da ciência, nem, a fortiori, da técnica. Ela provém de um saber mais radical: saber dos valores que, em última análise, estruturam o ser e a cultura do homem dentro de seu projeto existencial." (DTM, Indicações para uma política da pesquisa da educação no Brasil, p.485)

  

"A educação gera uma forma de consciência: torna explícitos os valores e os projetos do indivíduo e da sociedade, isto é, o sistema de significações em que ambos se sustentam, e as idéias normativas que polarizam o respectivo dinamismo em busca de novos valores ou do rejuvenescimento dos valores antigos." (DTM, Fenomenologia do processo educativo, p.142)

 

 "O estatuto da ciência da educação é, no fundo, ciência aplicada; e sua especificidade deriva do modo especial de ser aplicada. Trata-se de fixar o modo correto de alguém dirigir sua ação segundo seu próprio projeto; como estruturar sua visão, como situar-se, como adaptar-se a realidades existentes, como transformar realidades novas, como tornar a existência um ato de inteligência continuada. Trata-se de ordenar operativamente a visão da realidade em função do projeto pessoal ou social; um modo de ver o mundo, colocando-se nele como parte de sua criação ou de sua ordem; um modo de ver-se como instância de sua própria criação na mesma medida em que desempenha um papel na criação e na origem do mundo. Instrumento do seu próprio projeto, o homem o é desde o momento de formulá-lo." (DTM, Fenomenologia do processo educativo, p. 142-143)

  

"Os líderes educacionais precisam compreender que toda ação eficaz - sobretudo no mundo de hoje - é, antes de tudo, a ação que muda a consciência - a própria e a dos outros. Eles precisam mover-se dentro da sociedade e fazer com que os outros se movam, com uma larga consciência de suas significações, de seus impedimentos e sobretudo de suas possibilidades. O mais belo em tudo isso, é que hoje a educação de cada um não se faz sem a educação de todos. Talvez nunca na história a solidão de cada consciência esteve tão povoada das exigências da solidariedade. A sociologia e a pedagogia se encontram, lado a lado, nos caminhos novos da fraternidade." (DTM, Para um balanço da educação brasileira, p.92)

 

 "Só países que não acreditaram na eternidade da sociedade basearam sua educação numa determinada idéia da eficiência, aquela que permite construir a cidade artesanalmente, em vez de pressupô-la construída sobre arquétipos importados. O outro tipo de educação se baseia nas técnicas de conservação e de fruição da sociedade estabelecida. Evidentemente, a consciência artesanal da educação e da cultura é a única que impede a sua alienação." (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.149)

 

 "Histórica e culturalmente, não somos um país cujo dinamismo repouse, primariamente, na iniciativa individual ou na força de instituições autônomas sob a imantação integradora do Estado. As instituições de ensino não se acostumaram a ver-se como um pequeno universo concentrado na sua identidade própria, cioso de sua autonomia como forma de criação. Vivemos sempre atraídos pelos protótipos criados pelo Estado. É claro que nos cabe estimular a tendência contrária: desligá-las dos padrões oficiais e realizar a aventura de sua criatividade. Entretanto, a autonomia não implica necessariamente desarticulação de uma política afinada com o projeto nacional. Esta é exatamente a dialética que vimos defendendo neste trabalho - a afirmação da autonomia das instituições dentro de um contexto integrador, exigido não só pela unidade nacional democrática como pela política de desenvolvimento. Se até os Estados Unidos, cujos modelos educacionais exercem tanta influência no Brasil, para manter seu desenvolvimento marcham no sentido de combinar aqueles dois impulsos, como pretendemos nós conquistar o nosso, com base num processo individualista e privatista?" (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.179)

  

"Somos um país sem educação escolar, onde a maioria aprende vivendo e pelejando, como no famoso verso de Camões. Mas, na verdade, esse tipo de experiência constitui um húmus de cultura, sendo a idéia científica desse fato a mais importante novidade da educação moderna. Então, se esse dado representa a maior parte de nossa realidade educacional, temos de começar por ele. Não se justifica que os processos de atualização e de completação da cultura não apareçam em nosso sistema educacional com o mesmo prestígio das formas convencionais." (DTM, Expansão do ensino superior no Brasil, p.42)

  

"Alguns querem a expansão educacional e estão dispostos a lutar por ela; muitos outros a querem, mas não a empreendem, limitando-se aos atos instituidores de tipo cartorial. Não nos parece justo desacelerar o ritmo educacional que o desenvolvimento reclama, mas é indispensável que o ritmo seja ao mesmo tempo rápido e denso. A pressa constrói uma nação quando os empreendedores estão dispostos a pagar o juro de seu redobrado esforço pelas etapas queimadas; isto é, quando tudo que se faz normalmente em longo prazo se condensa, pelo zelo múltiplo, em um curto período. No Brasil, a tradição tem sido criar muitas escolas com pouco esforço no terreno dos fatos. O empenho se esgota na ação administrativa e normativa do tipo burocrático." (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.127)

  

"Há no Brasil o preconceito contra os teóricos, sobretudo na educação, tendo se tornado lugar comum a recriminação de que há, entre nós, excesso de teoria e pouca prática. Eu diria exatamente o contrário: a prática existe, mas muitas vezes opaca, sem a sua autoconsciência, que é a consciência teórica; mecânica, sem capacidade de autopropulsão que só pode provir da visão intelectual autônoma, capaz de viver por si mesma as razões das ações e alimentar a intencionalidade destas; pedestre, porque baseada não num processo intelectual mas num processo regulamentar que, dando as ordens, se esquiva de oferecer as idéias em que estas deveriam estribar-se. Excesso existente em nossa educação é de leis, e de fórmulas verbais, mas as leis constituem até a antiteoria, o método de substituí-la e de evitá-la." (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.113)

  

"Entre nós, a educação se desligou da sociedade, desde o início, por alienação cultural: recebia-se o fruto separado da árvore, até o ponto de se esquecer da própria árvore. O saber pedagógico tornou-se 'autônomo', passando a atrair vocações de geômetras mais interessados pela forma que pelo conteúdo, pela racionalidade interna do sistema de ensino que pelo seu dinamismo social." (DTM, Indicações para uma política da pesquisa da educação no Brasil, p. 489)

  

"Parece-nos fora de dúvida que a salvação para a educação brasileira não virá de nossos pedagogos. Do ponto de vista do pensamento, virá sobretudo do filósofo, do cientista social e do educador lato sensu, ou seja, dos que se mostrem aptos para exercer em relação à educação uma consciência crítica e a perceptiva, envolvendo as conexões que ela mantém com tudo aquilo de que depende o seu próprio sentido e valor." (DTM, Indicações para uma política da pesquisa da educação no Brasil, p. 483)

 

 "Tudo é feito, na educação, dentro do status quo disfarçado por uma política aumentativa, que muda os números mas não muda as coisas numeradas. Não adianta mudar o número dos 'escolarizados', se eles recebem na escola uma educação deteriorada e inadequada, com todas as repercussões econômicas, políticas, culturais." (DTM, Para um balanço da educação brasileira, p.92)

  

"Não há excesso de verdades educacionais, e sim de lugares comuns e de dogmas, oriundos da consciência ingênua, ou do mimetismo, ou da metodologia do poder que mascara, freqüentemente, a metodologia científica; ou do espírito mecano-institucional, que é uma parte dessa metodologia; ou da lógica jurisdicista transposta para a educação; ou do pensamento linear; ou, ainda, da 'estética' das formas, esquecida dos conteúdos. Contra tudo isso, fazemos votos para que nasça o verdadeiro espírito científico e o esforço teórico autêntico, na educação. Quando isso acontecer, teremos o momento das contraverdades da educação brasileira. Veremos então como muitas de nossas verdades educacionais se formaram de afirmações que escapam da experiência, da pesquisa e da crítica." (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.113)

  

"É necessário libertar a educação e o próprio pedagogo da tendência à inércia. Não imaginamos, a rigor, que a liderança das transformações educacionais deva, pura e simplesmente, transferir-se do pedagogo para os cientistas sociais. A mudança da sociedade só pode operar-se quando se opera a mudança do todo, requerendo esta, no plano científico, a visão interdisciplinar e, no plano político, o projeto criador." (DTM, Indicações para uma política da pesquisa da educação no Brasil, p. 487)

  

"A filosofia do privilégio entre nós merece uma reflexão especial, pois é um marco da civilização brasileira. E uma de suas raízes está exatamente na filosofia de nossa educação. Não educamos para a eficiência mas para o prestígio, e o conteúdo da educação se torna menos importante que os títulos que ela confere. Daí que o título entre nós não se constitui um nível de competência, mas um nível social." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.91)

 

 "O próprio sistema de mérito se baseia, antes de tudo, nas formas simbólicas do mérito: nos títulos formais ou nos processos falsos de avaliação. O simples fato de ter o diploma registrado confere a todos que o possuem os mesmos privilégios, indistintamente. Nas provas de capacidade, o que se confere não é exatamente a capacidade, mas a sua simulação. No vestibular, por exemplo, não são as aptidões reais que se apuram, mas a posse de um cabedal que pouco significa do ponto de vista da inteligência e do preparo dos candidatos. Não sabendo o que constitui realmente a inteligência, e de que forma ela é necessária, nós simplesmente adotamos alguns rituais, alguns entes de razão que tenham eficácia simbólica como instrumentos de promoção." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.95-96)



Educação Criadora

"A educação do conformismo não pode produzir indivíduos criadores; a educação da bravura mental com a disciplina da verdade, esta é que logicamente pode levar aos gestos criadores, tão necessários aos membros de uma sociedade democrática e de um mundo em mudança." (DTM, A universidade e sua utopia, p.227)

 

 "Qualquer pessoa se movimenta num universo construído pelas suas imagens e, enquanto alimentado por estas, num espaço de criatividade. É sempre nova a imagem, originariamente, isto é, no momento em que ela está rente, sem qualquer intermediário, com a percepção, e entregue ao dinamismo desta. A imagem capta e ao mesmo tempo escamoteia o real; assimila-o e 'falsifica-o'. A arte é uma falsificação na medida em que ela não reporta os seres como são na natureza, mas como os faz o nosso imaginário que é, por isso mesmo, o homem acrescentado à natureza e, em certa medida, à própria cultura." (DTM, Realidade, experiência, criação, p. 229-230)

 

 "A arte na educação não significa 'educação artística' no sentido convencional, mas significa a educação em si mesma. Fazer-se fazendo. Se é verdade que com a experiência não há nenhuma educação ou aprendizagem, também é verdade que sem essa experiência radical não é possível a educação que prepara cada homem para introduzir na sociedade uma consciência original, forte de fertilização e de mudança." (DTM, Em busca de uma consciência original, p. 10)

  

"A professorinha que tem medo dos elefantes ou das flores inventadas pela criança, porque destroem as suas harmonias, tem medo das imagens novas que estão surgindo no único celeiro de criação - que é o imaginário, acionado pela ação. A professorinha que desenha primeiro, para a criança desenhar depois, segundo o seu risco - seja para reproduzi-lo, seja para colori-lo - é uma autêntica representante da sociedade, que só sabe trabalhar com o estabelecido, o que já aprovou, o que assegurou estabilidade. O medo às garatujas da criança não é só o medo ao feio - embora também o seja - é o medo ao novo: é a crença inconsciente de que o feio de agora poderá ser o belo de amanhã; e também que as formas tortas saídas da mão da criança poderão exprimir, amanhã, a recusa ao 'certo' de hoje; mas também, algumas vezes, o medo de que as deformações sob o lápis da criança sejam as que existem na realidade, escondidas nas formas 'perfeitas' de uma arte escamoteadora. A criança vê fraturas, deformidades, aleijões, que existem, de fato, e que os bem-pensantes procuram dissimular. E, outras vezes, essas fraturas representam a sua rebeldia contra os linearismos com que se exprime o estabelecido muito limado e polido pelo 'senso comum', que é como os bem-pensantes chamam o lugar comum." (DTM, Realidade, experiência, criação, p. 232)

  

"O corpo e a alma da cultura estão ligados, antes de mais nada, às sensibilidades mais primitivas, aquelas com que a criança recebe em seu pequeno universo as primeiras impressões e experiências. E são essas sensibilidades que dão, ao mesmo tempo, o impulso e o molde a todas as suas elaborações posteriores, inclusive no plano científico. A ciência é o reino da Objetividade. Mas o Objeto é menos objetivo do que parece. É a realidade, mas também o modo de olhar a realidade, que a gente aprende quando abre os olhos ao mundo e começa a exercer sobre ele a aventura de nossa criatividade. Felizes os que, nesse momento, podem objetivar as suas visões, através da arte. Dos que, nesse instante, estão munidos de lápis ou pincel para passear, livremente, sobre o papel, as suas 'divagações'. Nesse sentido, a arte é o fazer que se confunde com o ser. O fazer da criança que desenha é o seu ser: ele se faz fazendo. Daí a importância fundamental do fazer na educação; mas o fazer que conta não é o mecânico, o repetitivo, o 'ensinado', e sim o fazer da arte, isto é: o fazer que é criação e, antes de tudo, criação do nosso próprio ser." (DTM, Em busca de uma consciência original, p. 10)

  

"Abaixo a formação profissional, que opera, por exemplo, com as "séries metódicas" - como as adotadas antigamente no SENAI - pelas quais os adolescentes e jovens se tornavam escravos do projeto de seus patrões e, liminarmente, demitidos de seus próprios projetos. Abaixo a visão estereotipada de Deus, do Estado, do homem, da sociedade - e de todo o trivial em que nós gastamos esses valores supremos. Abaixo os caligrafistas, os puristas, os burocratas.

E bem haja as imperfeições que reconstroem a imagem do mundo. As pontes tortas desenhadas pelas crianças de 4 a 5 anos - pontes que, entre uma margem e outra, têm a flexão do sonho; sabe-se lá que arquitetos elas darão!" (DTM, Realidade, experiência, criação, p. 233)

 
 "Se nós lhe dermos a solidão, o indivíduo redescobrirá a sociedade. Se lhe assegurarmos liberdade, o Si-mesmo descobre a transcendência dentro de sua própria obra. Se o deixarmos fazer, ele faz o ser. Se lhe concedermos o lazer, ele realiza o trabalho que muda a qualidade da vida. Se lhe dermos a autonomia, ele reinventa o mundo. Por tudo isso, o imaginário da criança - a ser preservado na idade adulta - constitui a única fonte de renovação possível." (DTM, Realidade, experiência, criação, p. 228)