Cultura

"A cultura é essencialmente dialética. Informa-a uma dupla intenção: a de descobrir e a de transcender; a de refletir fatos e projetar utopias; a de ser ao mesmo tempo reflexa e tensional. A cultura é também fato político. Supõe opções, atitudes, posições. O ato de pensar é, até certo ponto, um ato de vontade política: para ver é preciso querer ver e acreditar no próprio poder de ver. Ver é um ato em larga margem instituidor da realidade." (DTM, Existe uma filosofia da educação brasileira?, p.70)

   

"Cada cultura tem a configuração do saber, abrangendo (e misturando) ciência e ideologia. A cultura integrada secreta, normalmente, a ideologia funcionalista. O Establishment tende a contentar-se consigo mesmo sem discutir os fins que o justifiquem, mesmo porque a vinculação do Establishment pelos que o integram depende cada vez mais de uma espécie de consciência mecânica e condicionada do que de uma adesão ativa e criadora." (DTM, Indicações para uma política da pesquisa da educação no Brasil, p.484)

 

 "Como valores e projetos constituem o cerne da cultura do grupo ou da comunidade nacional, a consciência orientada no sentido de captar uns e outros representa, basicamente, uma consciência da cultura, um meio de compreendê-la e de promovê-la. Trata-se de uma consciência aperceptiva, mas também crítica, de uma função simbólica mas também catabólica, integradora mas também desintegradora, embora a desintegração, no caso, seja importa pela percepção de novos valores, pelos quais o Sujeito histórico se ilumina." (DTM, Fenomenologia do processo educativo, p.142)

  

"Cultura geral - É a que não tem nenhum valor instrumental imediato, e é essencial à realização da pessoa para que goze da plenitude de suas próprias capacidades, e se integre na plenitude dos bens e das responsabilidades de sua civilização. Nenhum ser humano deve ser privado desse direito que lhe é específico e natural. Não é este o lugar de diagnosticar a sociedade atual, do ponto de vista de sua desarticulação: essa espécie de dança desengonçada em que as pessoas, como membra disjecta dum organismo desintegrado, se desencontram, cada qual em sua especialidade, sendo cada uma desprovida da visão global que deve situar a sua própria perspectiva e o seu trabalho. O economista se torna cada vez mais um economista, dimensionando abstratamente os fenômenos, sem os conteúdos que o sociólogo, o antropólogo, o filósofo etc. são capazes de vislumbrar. O arquiteto chega a confinar-se numa espécie de esteticismo em que o seu subjetivismo artístico sobrepaira às contingências sociais, ecológicas e econômicas que lhe deveriam impor, por exemplo, uma política social adequada às condições do meio, da estrutura das classes etc. Isso para situar-nos nos aspectos mais pragmáticos, ainda relacionados com o seu trabalho: sem falar de outros valores culturais, que são postulados pelo ser humano, transcendendo o seu trabalho e preenchendo uma área de lazer que é cada dia mais ampla que a do próprio trabalho. Essa realidade fundamental, que preocupa toda a moderna sociologia e filosofia da cultura, não só não pode escapar à universidade como, ao invés, deve colocar-se no centro de sua organização e de seu dinamismo." (DTM, Subsídios para o plano de reforma da UFBa, p.38)

  

"Os nossos melhores sociólogos têm muito de romancistas, e os melhores romancistas muito de sociólogos, tanto convizinham a sensibilidade e a razão científica diante de um mundo novo que a ambos desafia e lhes oferece idéias e emoções: construir cientificamente o conhecimento do Brasil é construir um mundo poético." (DTM, A universidade e seus problemas atuais, p.37)

  

"A facilidade de criar escolas contrasta com a inapetência de criar bibliotecas e de estimular, através de política do Governo, qualquer forma de expansão cultural. O Instituto Nacional do Livro, criado em 1937 com a finalidade, entre outras, de promover a criação de bibliotecas pelo interior do País, jamais conseguiu levar adiante o seu propósito. Criam-se faculdades e universidades onde não há livros, e onde poucos se habituaram ao contato com a cultura escrita. As próprias escolas superiores, nascidas desse húmus cultural, se mostram incapazes de alterá-lo: nascem de um meio que não tem livros, e funcionam, elas próprias, sem livros." (DTM, O planejamento educacional no Brasil, p.33)