(Reprodução de trechos do depoimento do Professor Jader de Medeiros Britto. In: Concepção do educador e da universidade. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 1988, p. 75-80)

 

I - Campanha de Educação Complementar   

          "Aceitando convite de Anísio Teixeira, Diretor do INEP, lá pelos idos de 1958, Durmeval Trigueiro Mendes veio para o Rio de Janeiro assumir a supervisão da Campanha de Educação Complementar, em nível nacional. Estávamos no Governo Kubitschek e o mestre Anísio empenhava-se com todas as energias em instaurar uma política de extensão da escolaridade obrigatória, pública e gratuita a toda a população brasileira em idade escolar. 

          Vindo da Secretaria de Educação e Cultura do Estado da Paraíba e da Reitoria da Universidade Estadual, trazia Durmeval para o novo campo a experiência do trato com as realizades educacionais de um estado do Nordeste, em que as necessidades e deficiências eram e continuam a ser desafiadoras. Antes, estivera com Anísio em reunião de secretários de educação em Salvador, ocasião em que fez um pronunciamento que despertou a atenção de Anísio pela sensibilidade filosófica e política com que abordou a questão do ensino básico.

          Como Supervisor da Campanha, defendia com Anísio uma escolaridade de 8 anos, nesta estrutura: quatro de ensino primário e quatro de ensino médio, com dia integral de 8 horas. Mas, ante sua inviabilidade política e financeira naquela oportunidade, partiu-se para um esquema de 6 anos: quatro primários e dois médios, recebendo estes últimos a denominação de Educação Complementar, vista como etapa intermediária que deveria reforçar a educação geral e, ao mesmo tempo, propiciar uma iniciação às atividades práticas relacionadas à preparação para a vida e o trabalho na sociedade. Esse esquema fundamentava-se numa razão social ponderável: cobrir o período de vida da criança e do adolescente que se estende dos 7 aos 14 anos, evitando-se o intervalo de 2 anos (chamado na época de hiato nocivo) entre o término da escola primária e a idade legal de ingresso no mercado de trabalho. 

          Aplicando a estratégia adotada para a implantação da experiência, Durmeval firmou convênios com os Estados para a construção e equipamento de oficinas de artes industriais, formação e treinamento de professores, bem como suplementação de seus salários para uma jornada de dia integral. Cabia aos Estados escolherem as cidades e grupos escolares em que seriam instaladas as oficinas, procurando-se articular as atividades aí desenvolvidas com as de classe. 

          Vivenciando essa experiência em profundidade, ao construí-la, simultaneamente o espírito dialético de Durmeval a questionava. Percebia suas limitações, a começar pelas dificuldades que se antepunham a sua generalização. Analisava seus aspectos qualitativos, considerando a deficiente formação do pessoal docente, a ausência de uma prática pedagógica que aplicasse os princípios da ciência moderna e, principalmente, reconhecendo a ineficácia da educação complementar ante a discriminação tradicional entre educação popular e educação das elites. Via a experiência como alternativa para oferecer a todos mais tempo de escolaridade, mas proporcionando um ensino de qualidade problemática. 

          Não foi longa a estação de Durmeval na Campanha. Já em 1961, o Ministro Oliveira Britto, por sugestão de Anísio, o nomeava como Diretor do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura." 

 

II - CEOSE (Colóquios Estaduais para a Organização dos Sistemas Educacionais) 

          "No final de 1966, na administração de Carlos Pasquale, Durmeval voltava a colaborar com INEP na qualidade de Coordenador da Comissão INEP / UNESCO, promovendo os CEOSE, com o objetivo de prestar cooperação técnica em matéria de planejamento, organização e reestruturação dos sistemas educacionais. Integravam a Comissão, além de professores brasileiros convidados para cada Estado, os professores Pierre Furter, Michel Debrun, Jacques Torfs e Isabelle Deblé, peritos da UNESCO, cuja Missão em nosso país ficou sediada no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, no Rio de Janeiro. Essa equipe trabalhou integrada em 14 Estados: Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. 

          Na concepção de Durmeval, o papel dos Colóquios era sobretudo o de despertar uma consciência crítica da situação do ensino em cada unidade federada, mediante a discussão aberta das questões pertinentes à educação. Nada de trazer receitas prontas, fechadas, para os problemas locais. Tratava-se antes de suscitar a análise desses problemas com os responsáveis pela tomada de decisão em âmbito estadual, com a audiência e participação de técnicos, professores e quantos se sentissem envolvidos na temática em debate. Determinadas questões, como a do ginásio fundamental de dois anos, nova tentativa de extensão da escolaridade, provocou amplo debate, ponderando alguns que o compromisso primeiro seria o de garantir o primário básico de quatro anos a toda a população em idade escolar, meta ainda não atingida satisfatoriamente naquela oportunidade. 

          Terminado o Colóquio, a equipe continuava à disposição dos responsáveis pela administração do ensino em cada Estado, a fim de prestar assessoria na implantação das propostas acordadas. Durante os três anos em que foram realizados os Colóquios, Durmeval permaneceu na coordenação dessas atividades de assistência técnica."

 

III - Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

          "A crescente familiaridade com as questões sócio-educacionais nos diversos graus de ensino, dada a experiência que adquiriu à frente de órgãos públicos e como integrante do Conselho Federal de Educação, aliada a uma sólida formação nas humanidades clássicas e sintonia com o pensamento contemporâneo estimularam Durmeval a intensificar sua produção intelectual, tornando-se nas décadas de 60 e 70 um dos principais colaboradores da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Como editor, acolhia a fecundidade do pensamento de Durmeval, a acuidade filosófica, a sensibilidade política com que abordava a complexa temática educacional, num enfoque ético, na perspectiva da democracia social. Dos vários ensaios publicados na Revista destacaria, pela densidade e plasticidade da formulação, as análises feitas em "Um novo mundo, uma nova educação", "A universidade e sua utopia", "Realidade, experiência e criação", "Governo da universidade". Trabalhando com ele na versão a ser divulgada desses ensaios, observava a contínua busca de um tratamento melhor para suas idéias, sempre descobrindo ângulos novos ou complementando as afirmações com dados mais pertinentes. Empenhava-se em captar a essência, ir às raízes dos temas em exame. Em síntese, o pensamento de Durmeval estava em permanente devenir, dando vez à realidade, evitando congelar-se em esquemas fechados ou estagnados."

  

IV - Thesaurus Brasileiro de Educação 

          "Em 1973, quando se recuperava da seqüela do aneurisma cerebral que o atingira em março de 1972, Durmeval foi novamente solicitado a colaborar com o INEP na elaboração do Fichário Conceitual de Educação, parte do projeto Thesaurus Brasileiro de Educação, sob a coordenação da professora Regina Helena Tavares. Durante cerca de dois anos trabalhou no projeto, havendo convocado diversos especialistas em ciências da educação para produzirem os conceitos que seriam por ele analisados e arbitrados, em decisão que não lhe era fácil, ante a incessante procura de uma definição melhor, mais concisa e competente." 

          "Recompondo alguns traços da história de vida de um educador / filósofo como Durmeval, a partir de sua atuação a serviço do INEP, esboça-se logo o corte brusco de sua trajetória, num momento em que aprofundava a meditação, apurando os conceitos e revendo as análises. Primeiro o corte causado pelo aneurisma partido, em 1972, com repercussões na expressão verbal, de que era excepcionalmente dotado. Por fim, o corte radical da vida, aos 60 anos, quando havia tanto a criar e a oferecer.

           Acredito que uma análise mais acurada da colaboração de Durmeval com o INEP provavelmente irá verificar que algumas iniciativas de que participou foram vítimas do mal da descontinuidade que acomete a administração pública. Seja quanto à política de extensão da escolaridade obrigatória, à assistência técnica aos sistemas estaduais de educação ou à elaboração conceitual do conhecimento científico em educação no País, todas essas iniciativas generosas, fecundas, acabaram mutiladas, dada a inapetência da administração do ensino para soluções criativas, que alterem a rotina acomodada. E a colheita ficou nas primícias. Mas, em todo caso, as sementes não se perderam e aparecem, às vezes, bons semeadores que as selecionam, plantam e colhem com fartura.

           A um pensador como Durmeval, mais valia o tempo de semear."

 

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